31 de março de 2009

O Analista

Tarde fria em Porto Alegre, e eu ali, estático naquele divã. Meu analista me parecia falar um blá-blá-blá qualquer simplesmente para me arrancar mais alguns trocados. Trocados eu disse? Só eu sei a grana que esse cara me cobrava.
- Me fale um pouco da sua infância.
- Bem, eu era uma criança comum, ou acho que era não sei. Sei que era difícil aguentar ficar preso em casa por pressão dos pais, porque eles não gostavam de como eu me vestia e tinham vergonha de mim. Tinha amigos, mas me faltava um amor...
- Hum...
- Não sei bem o que lhe dizer... Tive uma infância simples.
- Hum...
- Teve também o tempo em que morei na rua, e aí sim virei pivete. Era ladrãozinho de esquina, até conhecer um homem que me adotou. O cara era rico e foi quem me ensinou tudo. Deu-me carreira, me ensinou etiqueta e me mostrou que o mundo poderia ser honesto. Mas ele morreu, não consegui suportar a morte dele. Caí em depressão por isso. Fiquei doente, não sai mais de casa, fiquei isolado do mundo. Afinal, quem me fez ser “gente” foi aquele homem. Difícil suportar isso de maneira fácil. Você mesmo sendo analista, não sei se me entenderia...
- Hum...
- Então?
- Humm...
- Como assim? Você só fica aí me ouvindo e dizendo “hum...”. Não lhe pago pra isso!
- É verdade, vamos ao trabalho. Fale-me da sua infância...
- Como assim cara? Acabei de lhe falar!
- Desculpe, estava distraído.
- Como assim distraído? Dou-lhe uma grana toda a vez que venho aqui e você não presta atenção no que digo?!
- Ok. Desculpe.
- O que é isso aí?
- Uma bebida, aceita?
- Bebida? Você só pode estar louco cara!
- Tome um gole! Vai gostar... Dilui um antidepressivo nela... vai te ajudar...

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